Luanda
Faz uma semana que cheguei aqui do outro lado do Atlântico. Muita gente me pergunta como estão as coisas e a resposta é simples: estou bem. É apenas isso que tenho a dizer. Estou bem e o resto eu não sei. Tenho evitado escrever qualquer impressão prévia sobre Luanda porque as coisas aqui são muito complicadas. Ainda não captei o funcionamento da capital angolana. O ritmo do mangolê, as direções na cidade.
O que é kibundo e o que é português.
O que é raro e o que é comum.
É difícil distinguir.
Não sei sair do centro até a orla. Não sei sair de casa até o trabalho.
Não consigo me localizar na cidade, até mesmo porque praticamente não existe placa de sinalização e as ruas não seguem uma lógica mínima de urbanização. Aliás, o que são ruas? Aqui não tem rua não. Só no centro. Nos arredores tem umas passagens que levam invariavelmente a várias vielas. Completamente enlamassadas ou completamente esburacadas. Chamam de rua.
As vielas levam aos museks. São as favelas. Toneladas incalculáveis de lixo circundam os museks. Não é exagero. Ficam no alto, em morros. Parede 4x4 de madeira, telhado de eternite pregado com pedras. Um amontoado urbano de acesso difícil duramente arranhado pela fome, malária e paludismo.
Boa parte da malha viária está sendo reconstruída pela Odebrecht e pela Camargo Correa, uma construtora portuguesa. Ou seja, guindaste e trator em cada esquina. Elementos intesificadores de engarrafamento. Poeira até o infinito. É muita poeira. Achei até que vinha do Saara.
O trânsito é incompreensível. Essa cidade tem uma quantidade absurda de carros. Vocês não fazem idéia. São muitos carros na rua. Não posso dizer em números qual é a frota de veículos porque isso ninguém sabe. Não tem nada mapeado ou catalogado aqui. Nenhuma informação quantitativa digna de precisão com a realidade.
Não tem dados sobre a população quanto mais o resto. Não tem IBGE, saca? Mas posso garantir que tem muito mais carro do que em Salvador. E digo mais: carrões. Cherokee, Toyota Land Cruise, Suzuki Jimmy, Suzuki Vitara, Rav4, diversos modelos de Volvo que eu nunca tinha visto antes, idem para os modelos de BMW. Hummer. Inacreditavelmente aqui tem muito Hummer. Vendidos a preço de banana. Assim como as bebidas. Carro e bebida nao pagam imposto tributário para entrar no país. Compare aí: uma garrafa do genuíno Red Label por 12 dólares e uma cherokee completa por 27 mil dólares. Pólo oposto para a comida. Produtos alimentícios são estupidamente caros: dez dólares por um acabaxi, seis dólares por meia dúzia de banana da terra, cinco dólares por três cabeças de couve-flor.
Coisa de louco, bicho - costuma dizer o japonês-paulista que mora comigo. Maior miserê.
Fico me perguntando como 20% da população tem dinheiro suficiente para abarrotar Luanda de carros, deixando-a intransitável, enquanto os outros 80% vive a pé confinado em condições sub-humanas em um domicílio subsaariano completamente destruído.
Da janela do carro vejo panos coloridos em corpos desnutridos. Moribumdos, amputados. E ainda assim, bonitos. O negro aqui é misteriosamente bonito. Diariamente fico, pelo menos, 1h30 presa no engarrafamento para percorrer míseros 15 quilômetros de casa até o trabalho. Depois mais 1h30 pra voltar no final do expediente. Mas já tive o prazer de ficar 2h15. E os que estão aqui a mais tempo fazem questão de dizer que eu ainda não vi nada.
Tudo bem, acredito.
Marcadores: África da Tássia, Tássia Novaes
5 Comentários:
Ô fia! Tu tem certeza que tá na África? Porque 20% da população com dinheiro suficiente para abarrotar a cidade de carros deixando-a intransitável, enquanto os outros 80% vive a pé confinado em condições sub-humanas , tá me lembrando Brazilllll ...
Fique bem!
Escreva todo dia. TODO DIA!
Denisita, não. Aqui definitivamente não lembra nem um pouco o Brasil. Os problemas são os mesmos - se é que posso dizer assim - porém em proporções estupidamente diferente. A coleta de lixo é precária em Salvador? Sim. Mas aqui é MUITO pior. Tem muito carro em Salvador? Sim.Mas aqui é MUITO pior. As ruas são esburacadas em Salvador? Sim. Mas aqui é MUITO pior. Difícil explicar Luanda em palavras. Na verdade, não dá para traduzir em palavras. Tem que ver. Isso aqui é a síntese do princípio fotográfico. Tem coisa que só a imagem traduz. É por isso que não me sinto a vontade para escrever absolutamente nada sobre essa cidade. E fotografia não é nem um pouco fácil de fazer por aqui. AInda não cliquei nada.
Aha!!! Sim. É isso sim. É que a gente aqui tem essa mania de dizer que não precisa sair daqui pra ver miséria. Até na miséria há diferenças. Palavra de quem não conhece [ainda] a África, mas conhece a Índia.
Escreva todo dia. TODO DIA. Antes que isso passe.
Bzs
Tassinha...pq é dificil clicar por ai??explicaaaa...beijoss
Porque as pessoas não gostam de ser fotografadas na rua.... SAudade, Beta! =)
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