A Pergunta
Entendo que devemos deixar um legado. Vc está vivendo o que seria o adequado na história da sua vida?
Eu disse pra ele fazer uma pergunta. Pensei que vinha alguma coisa tipo: Você gosta de acarajé? E ele mandou a pergunta que precisa de um livro para a resposta. Ou de uma palavra – como ele gosta: "Não". No meio, uma vida.
Você não sabe, mas eu já respondi essa pergunta várias vezes.
O sonho da minha vida era casar, ter três filhos lindos e maravilhosos e ser feliz até a morte passando pela velhice e pela doença. Mas esqueci de combinar com os russos. Até hoje não sei se mudei eu ou o sonho. Mas aquela mulher com três filhos e provavelmente alguns netos, não seria nada adequada à história da minha vida, a começar pela separação no tempo em que “desquitada” era puta. E tratada como tal.
Fiquei uns 30 anos sem ver meu primeiro marido. No dia em que iríamos nos reencontrar em Porto Alegre, no avião me dei conta da pergunta que ele faria: O que você fez nesses trinta anos? Peguei a velha caneta, o bloquinho de papel e escrevi: “Vivi na Bahia. Trabalhei muito, conheci gente bem interessante e muitas horríveis. Viajei bastante, mas menos do que eu gostaria. Tive mais um marido e não tive filhos”.
(às vezes saber ser concisa ajuda muito).
Continuando a resposta... Não sei se seria o “adequado à minha vida”, mas gostaria de colocar uma mochila leve nas costas e ir. Sem pressa. Como observadora. E absorvadora... – aquela que absorve (argh).
Gosto da sua tranquilidade quando você fala de conclusão. De impermanência. Da morte. Mas não gosto da palavra legado.
Primeiro me lembra da trágica copa do mundo no Brasil. Parece que a palavra não existia antes. Nem existe agora. Pelo menos legado da copa não existe. Mas... volta... não gosto da palavra. Tem um grande quê de ego. De vaidade. E brigo com meu ego – quando sou capaz de percebê-lo.
Assim, deixando o ego de lado e consciente da impermanência, lhe digo que não há legado meu. Dificilmente haverá. Não assim. Não o concreto! Nada de holding. Ou uma invenção revolucionária. Ou ainda uma nova forma de arte. Sequer um best seller. Posso até construir uma ou duas coisas antes da morte, mas não é isso. Espero deixar valores (exceção feita ao anel de formatura de piano).
Penso, trabalho, medito, oro e ajo pra fazer o mundo um pouquinho melhor (olha o ego aí...) com minha vizinha mais feliz, com dois gatos de rua abrigados e alimentados, com a gargalhada gostosa da minha sobrinha, com o sentimento de ser muito amado que deixo com quem eu amo sempre.
Acordo sabendo que poderia não ter acordado e às vezes consigo respirar consciente de que aquela inspiração pode ser a última. Morreria com uma baita saudades de ti.
Assim, se alguém fica feliz quando estou perto, se outro fica melhor com um bilhete meu, se deixo mais ameno o cansaço da senhora que está de pé numa fila ou ofereço meu lugar na janela do avião para a criança que chega... está bom.
E se eu conseguir sempre fazer isso e um pouco mais, terei deixado um legado e tanto.
Quanto a sermos sexagenários e termos nossa história caminhando para uma conclusão... Você né fio? Eu não...
Marcadores: Denis Rivera
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