Sobre o tempo, a memória e a saudade
Tempo, tempo, tempo-rei. E de boa parte dele restam apenas indícios de histórias vividas, registros em forma de palavras e imagens geradoras de memórias múltiplas. Tempo de viver, tempo de lembrar.
Já
por aqui é tempo de limpar e colocar fora tudo aquilo que não faz mais sentido
- concreta e simbolicamente. Quem esteve ou está em torno da vida acadêmica
sabe que papel parece se reproduzir por conta própria, e com celeridade. São
acúmulos de pastas, arquivos, blocos, folhas, agendas, cópias, cadernos,
apontamentos, artigos guardados para se ler depois os quais nunca mais foram
tocados, sequer lembrados. Então, tudo aquilo que não puder ser reciclado está
destinado à fogueira de Hestia*.
Mas
entre aquilo que se descarta e o que se reencontra estão muitas notas pessoais.
Uma delas me devolveu a presença imaginária e saudosa de um amigo querido que partiu
há cerca de uma década.
Soou
estranho ter localizado tais escritos justamente depois de ter chegado do
Paraná. Anos atrás fui àquele estado neste mesmo período. Ainda na estrada
recebi a notícia da morte de Victor, vitimado em um estúpido e patético acidente
de trânsito. Foi um choque e precisei confirmar o que soava como desolador.
Victor Folquening partiu num momento feliz e produtivo. Estava fazendo o seu doutorado,
era um pesquisador brilhante, decidira casar e pretendia ter um filho.
Temos
um tempo de vida com as pessoas. Pode ser curto ou mais longo, mas sempre soará
insuficiente no momento em que alguém próximo partir. Trago aqui o registro
desta memória marcada, hoje, pela saudade. Naquele momento, era perplexidade e
dor da ausência. Foi escrito em abril, reinício do ano letivo. Ei-lo!
“Volto
à Unisinos depois de novembro. É boa a sensação de estar de volta ao ambiente
acadêmico, no entanto, é impossível não sentir o Victor por aqui. Parece que em
cada canto, em cada corredor, vou entrar e me deparar com ele.
Estou
sentada junto às mesas do café da biblioteca. Quantos cafés tomamos aqui! Quantas teorias entre livros e quantas
conversas sobre a vida, os relacionamentos, os trabalhos, filhos e não filhos
brotaram espontaneamente, mas com certa urgência. Talvez hoje eu entenda que
tal urgência era necessária. O tempo era curto para ele e com ele.
Hoje
o tempo está impregnado pela memória da sua presença. Todos nós sentimos da mesma forma. Sirvo um café. A última vez que nos vimos foi
nesse mesmo lugar e, nesta mesma mesa onde estou, ainda que não intencionalmente.
Era o único lugar vago quando cheguei.
Mais
um café antes de seguir a minha jornada por aqui. Preciso cumpri-la. A dele foi
interrompida e ele faz falta, porque tinha a capacidade de tudo impregnar com
intensidade.
Penso
que todos que convivíamos com ele estamos repletos de memórias, de ideias, da
sua paixão pelo humano e suas facetas. Victor era o mais brilhante entre nós. Curioso
e corajoso, não se negava ao mundo nem ao outro e o fazia com uma sensibilidade
comovedora. Desafiava e investigava de modo instigante. Faz falta a sua
diferença e vivacidade. Era rara a sua
capacidade de transitar e se posicionar diante de temas e sujeitos controversos.
E o fazia sem perder o fio da sua racionalidade ágil e lúcida.
Nem
sempre era entendido e aceito por isso, vivia de modo inquieto e urgente Ainda
assim, percebo que nos tornamos melhores por conta dele. E precisava registrar
isto como se, em algum lugar, ele pudesse ler e precisasse saber o quanto fez
diferença ao conviver entre nós. ”
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