quarta-feira, 9 de outubro de 2019


Do passado (da coleção, o que já existiu)

Ela olhou para ele. E teve medo de esquecer e torceu o corpo todo para vê-lo ainda e outra vez - nunca era demais.
Faz tanto tempo e parece ontem. Frase feita, amor desfeito.
A amiga disse ‘quem diria que foi tão intenso?’. Ela pensou e corrigiu internamente, ‘não foi intenso, foi profundo’. Ela tinha perdido a identidade de tanto amor, de tanto cuidado. Ficou sozinha, vagando pela casa vazia. Tudo escuro, a cama uma toca, na sala o cadáver.
O cheiro pelo mundo todo.
Ela tinha velado, velado a fio os anos e nada dele ser enterrado. Velado e nada pode fazer, que não evitar pisar sobre ele, passar ao longo das suas pernas, respeitar as flores mortas que cobriam os seus pés. Ela não podia fazer nada que não esperar que ele simplesmente se desfizesse no ar, comido por todos os desgostos e sonhos moribundos.
E ele morria, mas não respeitava os sete palmos.
-Que nada! Fica tocando a mesma música que ninguém ouve.
Só ela ouvia tudo sem querer, lá no fundo do coração, no fundo onde fica a lama, o poço da água que não se mexe, estava tudo lá: o defunto, a câmara escura, as flores mortas, os pés sujos, o breu, o olhar que não se despede.
E não foi por falta de bater na porta, de levar correspondência para ver se havia algo que podia ser saudade. Aguentou demais, falou de menos, perdeu tudo. A força mingou e o sal do choro tomou conta do sono, da roupa e encharcou o passo. Ensopou o caminho e tardou o fim.
Quem olha de longe vê a lâmina d’água que não esconde sua extensão e chega a cegar a vista, tão longa e reluzente. Da última vez, ela sentou na borda sem força para tocar naquela água, naquele que era o mar da sua tristeza.
O choro ali não era chorado, mas transbordado, extravasado. Nem choro era. Era vertente, nascente ou morrente – um território inóspito de cheiro metálico.
Ela tinha chorado tudo ali e nada morria – vertia, fluía como desespero líquido, angústia corrente. Não morria.
-Acho que a morte não me quer.
Talvez não tenha competência para morrer, nem para deixar que morra.
Cortar, podar, aguar, magoar e seguir.
Destinada a vida, mesmo que doa.
-E como dói.

3 Comentários:

Blogger Unknown disse...

Tod@s destinadas à vida...e sim...ela dói

7.12.19  
Blogger Dna. Bona disse...

vi só agora, mulher com esses comentários acima. Tem quem apague? Aqui tem abraço, viu?

8.12.19  
Anonymous Rosana Cabral Zucolo disse...

E eu só vendo este texto agora... Dá sinal de fumaça cara pálida

24.3.21  

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