As meias precisam ser brancas
Eu sou de uma geração que está espremida entre duas
outras que tratam as “coisas de casa” de uma maneira muito diferente. E, sim,
isso me causa crises de identidade de vez em quando.
Minha mãe veio da geração de mulheres que fez o curso de
Educação Familiar. O curso, a nível técnico, ensinava como administrar uma
casa. Segundo ela, tinha aulas de corte e costura, culinária e orçamento
doméstico. Foi com ela que aprendi a arrumar a cama de maneira compulsiva, a
ponto de não conseguir ficar uma hora sequer com ela desarrumada pela manhã. E
foi com as milhares de vezes que ela desarrumou a cama porque o “lençol estava
com a costura do avesso”, que adquiri a obsessão de fazer a dobra dos lençóis sempre
do lado certo. Não a culpo, de forma alguma. Até porque foi minha decisão
manter esses padrões de arrumação. Essa, depois de muita terapia, sou eu mesma
e gosto dessa organização.
Já minha irmã reagiu de outro jeito. Ela nunca arruma a
cama. E é feliz assim.
Bem, mesmo tendo feito a tal da Educação Familiar e
propalá-la nas filhas (mulheres, claro), minha mãe sempre trabalhou fora. A mãe
dela, minha avó, sempre trabalhou fora. Isso fez com que tivéssemos a
referência de mulheres que sabiam fazer todas as coisas de casa, mas que não se
dedicavam somente à casa (ah... a jornada dupla...). A casa não era o centro da
vida dela, mas é impressionante o quanto de cobrança ainda havia na minha mãe
em relação à vestimenta de todo mundo, em relação a tudo estar em ordem, em
relação às manchas das roupas serem tiradas, em relação aos panos de prato que
deveriam ser brancos, em relação às meias que não podiam estar encardidas.
A gente tinha ainda a Mena que nos cuidava e cuidava da
casa. E a Mena fez curso para passar roupa. Passa roupa como ninguém. Nunca vi
alguém melhor do que ela. Mas tudo isso era para garantir as camisas do meu
pai, que deveriam ser perfeitas.
Pois bem, casei, mais de uma vez, e na minha casa eu não
tinha mais a mãe gritando que as coisas tinham que ser assim ou assado. Poderia
fazer tudo do jeito que eu queria. Foda-se o que os outros iriam dizer.
E me encontrei com amigas que fizeram questão de quebrar
com essa perfeição no lar. Panos de prato limpos, mas cheio de manchas. Roupas
nem tão bem passadas, quando eram. E ninguém morria.
Hoje estou casada com um americano que nunca precisou
passar roupa, ou nunca entendeu que isso era importante. Que nunca teve
mulheres na família lavando os tênis ou tirando manchas.
Eduquei o meu filho para passar a roupa dele, se ele quisesse,
e lavar os tênis quando assim achasse necessário. Ele que descubra os códigos
sociais do ambiente onde ele está e os cumpra. Se quiser.
Mas nesse carnaval fomos os três para as montanhas.
Chegamos em casa com lama até nos cílios. As roupas foram para a máquina de
lavar. Direto. Os tênis, bem, deixei de molho e fiz cada um lavar os seus. No
mesmo dia. E as meias, eu lavei. Esfreguei. Usei o sabão caseiro que a irmã da
minha vizinha fez. E deixei corando. E esfreguei de novo. E coloquei na máquina
para lavar.
Porque, as meias precisam ser brancas.
E porque história social é como craca. Você passa a vida
tentando lavá-la de você.
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