domingo, 16 de setembro de 2012

A violência que esbofeteia a gente


Sexta-feira passada. 22h30. Falo com o namorado pelo skype decidindo se ele virá a minha casa ou não. Debatemos e acho melhor buscá-lo de carro, afinal é perto, ele está cansado e enfim, será mais rápido para dormirmos logo.

Pela primeira vez assim que chego ele abre o portão rápido e vai saindo. Vejo um homem passar atrás do carro. No Brasil, à noite e de dia você nunca deixa de olhar pelo retrovisor. É reflexo. O cara vai caminhando até metade da quadra. Quando o namorado entra no carro, fechamos o portão e vamos saindo. O cara muda de trajeto e começa a voltar. Muito estranho. Meu instinto materno pensa nas duas meninas que moram na casa do lado do namorado e acho melhor cuidarmos do trajeto do cara. O namorado sugere que eu dê a volta na quadra. Dou. O cara desaparece milagrosamente. Penso: ele pulou o muro mesmo.

Resolvemos entrar de novo e o namorado abre o portão. Entro com o carro. Quando abro a porta para sair do carro e olhar o jardim dois indivíduos que estavam sei lá onde na rua entram apontando a arma e gritando para sairmos do carro. O namorado fala muito pouco do português. Com o susto esqueço do inglês e tento acalmar o assaltante dizendo que ele não está entendendo.

Aviso para o namorado sair. Um deles entra no carro, o outro fica do meu lado e pede dinheiro. Digo que vou abrir a bolsa para pegar e peço calma. O namorado está do outro lado do carro, indo para trás, assustado, com os braços levantados. O indivíduo armado grita para ele não fugir. Eu explico que ele não entende português e grito para o namorado:
- Come here, he needs to see your hands.
Viro pro cara e peço calma de novo. O cara me repete gritando:
- Come here!!! Come here!!!

Mostro o dinheiro que tinha. O cara joga no chão e diz que não quer a mixaria. Eles vão embora no carro. No carro que era novo, do meu pai, que eu tinha acabado de lavar. Ainda grito pedindo a mochila do namorado. 3 vezes. Eles riem e saem.

Começo a tremer. As vizinhas já estão ligando para a polícia e preciso passar os dados do carro para darem um alerta para a polícia. Mal e porcamente consigo racionalizar quem sou eu. Meu filho chega correndo depois que peço os dados do carro por telefone. Vamos todos para a delegacia. Em 24h eu preciso formalizar o Boletim de Ocorrência.

Na delegacia mais duas famílias com histórias muito piores. Sem seguro, caminhonete com duas motos em cima roubadas de uma só vez; carro e todos os eletrônicos com a família inteira em casa. Escuto gritaria e pergunto para o policial o que está havendo.
- Ameaça de rebelião. Os caras estão cerrando as grades.
- Quantos são?
- 150.
- E policiais?
- 3.
- Como é que vocês vão fazer?
- Vamos terminar esses B.O.s aqui e vamos chamar o COPE. É que quando eles vêm ficam mais de 5 horas lá dentro e não podemos atender o público.

Saio de lá com um misto de sentimentos. Não tive raiva ou revolta de início. Estava até feliz por não ter levado um tiro e por ter ficado calma. O namorado, gringo, estava em choque. Ele nunca tinha imaginado algum amigo passar por situação similar. Em toda a vida dele teve somente notícia de uma pessoa conhecida que foi roubada.

Comparo com meus amigos. Minha estória não tem nada de novidade. É comum. Tristemente comum.
Da mochila pouca coisa foi. Mas uma camiseta que não existe aqui acaba dando pano pra manga para outros sentimentos. E se a gente encontrar alguém com ela? O que faremos?

Vamos para a minha casa. Ninguém consegue dormir. Eu começo a analisar o coquetel químico que passa pelo meu sangue e detona cada sentimento. Com adrenalina alta, perdoo os infelizes. Penso que são um tipo de um resto humano e que nunca vão conseguir chegar onde estou. Sim, arrogância às vezes nos salva. Tento explicar para o namorado gringo que eles também são vítimas. Vítimas da porra desse sistema infeliz e desigual. Dessa merda da falta de educação e cuidado com os jovens. Explico ainda que os três policiais são vítimas dessa merda também. Explico que os 150 empilhados também são vítimas. Que nós somos as vítimas. E também os culpados porque alimentamos essa busca pelo capital e não fazemos nada contra as diferenças sociais abismais.

Passo um sábado anestesiada. Meio por sono, meio pela bomba química que tomou conta do meu corpo no dia anterior. Parece que levei uma surra.

Hoje é domingo. Hoje eu tenho raiva.

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8 Comentários:

Blogger  disse...

Ni, sinto pelo ocorrido, espero que você se recupere logo do susto, não consigo nem imaginar o quão traumático é passar por essa situação. E é bem o que você comentou, somos todos vítimas e ao mesmo tempo culpados, infelizmente.

16.9.12  
Anonymous Rosana Zucolo disse...

Puts!!! Que coisa louca!A gente está mesmo no limiar do caos e fica completamente atônita com estas coisas. Espero que vocês se recuperem do susto e recuperem o carro.
bj

16.9.12  
Blogger Denis disse...

A minha primeira reação é "que merda"!
Mas imediatamente puxo pela compaixão! Assim como vc fez, por todos nós e todos eles.
Também penso no carma que uniu vocês todos. Você, o namorado, as vizinhas... os assaltantes...
Vocês sairam. Lembraram das vizinhas. Voltaram. Carma. Que carma...
Vamos orar.
Sim... a camiseta... Por favor, por amor, esqueçam!
Beijo pra ti e pro namorado!

17.9.12  
Blogger Denis disse...

Ah... e agora a piada: quem mandou não morar junto com o namorado?...

17.9.12  
Blogger Dna. Bona disse...

Hahahaahahaha, só vc, D... Mas vc pode ter razão. Bj

17.9.12  
Anonymous Claudia disse...

E Nivea,e dizem por ai que é o Paraná seguro...queria saber seguro pra quem.
Pobre população
Claudia
www.acontececuritiba.com.br

17.9.12  
Blogger Dna. Bona disse...

Bem por aí, Claudia, bem por aí...

18.9.12  
Blogger Paula Bolzan disse...

Lamento, Dona Bona. NO rescaldo disso, que recuperem os bens materiais e que o medo e a raiva não demorem a passar!!!

24.9.12  

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