Olimpíadas
Bola, massa, fita, arco. Substantivos comuns, simples nomes
de objetos. Ledo engano. São sonho, puro sonho. São pontes para o etéreo, são
armas das heroínas. Ninfas, musas, bailarinas de caixa de música: encarnação da
beleza e da graça. Recupera-se hoje um
pouco do encanto da ginástica na olimpíada. Sou uma apaixonada por ginástica,
daquelas que ainda viúvam a CCCP, que foram abduzidas pelas atletas soviéticas,
polacas e romenas do bom e velho comunismo. Do tipo que não gosta muito de
acrobacias cravadas – que de tão fortes machucam o tablado e ecoam o barulho do
corpo castigando o chão em exercícios perfeitos. A cada série acrobática impecável
das americanas me pergunto porque gosto desse esporte. Cada comentário sobre os
exercícios que as meninas copiam dos meninos confirma que as apresentações ganham em
exatidão e perdem em graciosidade.
São perfeições de engenharia humana: panturrilhas de aço, abdômen
de tanquinho – daqueles que dá pra lavar roupa de guerra ou cheia de mancha e
deixar todos os panos limpos e surrados! Corpos duros de músculos, flexíveis –
quase máquinas! Elas são de tirar o fôlego e a imaginação. Dá dó! Fico por
demais saudosa dos jogos olímpicos da década de oitenta e do início da década de
noventa! Quando se respirava uma versão da guerra fria mais animada, quando torcíamos
pra os EUA e os europeus ocidentais ou para a CCCP e os comunistas do leste,
não tinha como ficar em cima do muro. Hoje acho tudo muito competitivo – os atletas
são outdoors ambulantes de marcas esportivas que querem nos vender não só os
produtos, mas os corpos magros. Parece loucura, preferia quando se tratava de
propaganda do Estado!! Novos tempos com remorar liberal desvinculam todos de tudo
e ficamos ricos em concorrência e competição cheirando a dinheiro e dinheiro –
somos gente convertida em suporte de produto. Sei que esporte é competição, mas era
diferente.
Deixa explicar melhor com um exemplo: a medalha de bronze do
individual geral da ginástica rítmica, uma lituana. Essa garota não era a
melhor, entrou sabendo disso, competiu sabendo – o reinado é russo, russinho da
silva! A garota entra, no seu terceiro ou quarto traje cravejado de cristais e
com sua fita. Um minuto e meio e quem assiste esquece do mundo e respira fantasia
e leveza. Respira saudade e poesia. Respira junto com ela e o traço que cria movimento
e cor. Por um minuto e meio quem assiste vê arte e esquece da competição. A apresentação
finaliza sem concluir a peça. É quando ela irrompe num choro transbordado de
sentimento e beija o tablado com intimidade de amante.
Ela chora: não ganhou, nem perdeu.
Ela chora e beija seu carrasco e amor.
Ela chora porque venceu com esforço todos os monstros
internos.
Ela chora: conseguiu mostrar seu melhor.
Ela beija o chão – ele é palco sagrado, ali desabrocha seu
corpo convertido em sonho.
Sua arte. Esqueço que é olimpíada.
Marcadores: Paula Bolzan
3 Comentários:
Puta que pariu! Que lindo...
Eu estava na sala de espera do médico. Televisão ligada. As atendentes e telefonistas falavam baixinho baixinho e todos - TODOS - num silêncio total. Nem barulho de página de revista. Todos mudos, vivendo esses minutos e meio mágicos...
E quando ela vem, entra arrasando quarteirão!PQP!!!
É. Tudo virou competição. Hunf.
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